“Somos jogados na jaula do leão, e se ele nos pegar a culpa é nossa”.

* por Rodrigo Édipo

Nesta semana a sede do INCITI/UFPE, no Bairro do Recife, recebeu as oficinas preparatórias para a 1a. Conferência Livre de Mobilidade do Recife (Colmob.re), que acontecerá nos dias 8 e 9 de julho, na Universidade Federal Rural de Pernambuco (UFRPE). Fruto de uma mobilização de grupos da sociedade civil para discutir o Plano de Mobilidade da cidade, o terceiro e último dia de oficina, realizada quinta-feira (07), teve como temática a segurança e a violência no trânsito. O encontro teve a mediação de Daniel Valença, associado da Ameciclo – Associação Metropolitana de Ciclistas do Grande Recife, grupo da sociedade civil que fomenta o uso de bicicletas e a democratização das vias públicas.

A sede do INCITI/UFPE foi plataforma para as oficinas do Colmob.re. Foto: Maíra Acioli

A sede do INCITI/UFPE foi plataforma para as três oficinas preparatórias do Colmob.re. Foto: Maíra Acioli

Daniel deu início às provocações projetando na parede o seguinte dado: 6 por 100 mil. Enigmático, comunicou aos presentes que o explicaria no decorrer da apresentação e prosseguiu a fala ilustrando, a partir de diversos exemplos, a situação calamitosa que a cidade do Recife se encontra em relação à segurança no trânsito. Principalmente quando debruçamos o olhar para os pedestres e os ciclistas, parcela mais prejudicada quando lidamos com a mobilidade urbana.

Um dos casos apresentados foi o do garoto Caio (16) que estava indo ao trabalho e foi atropelado por uma estudante de 19 anos que conduzia um carro acima da velocidade permitida no local: “O que mais se falou nesse caso de Caio é que o sinal estava aberto pra ela (a motorista)… isso é um desrespeito, o que sinto é que somos jogados diariamente na jaula do leão e se o leão nos pegar a culpa é nossa. Aqui em Recife quem morreu é quem tem culpa”, falou Lígia Lima, também representante da Ameciclo.

Foto: Maíra Acioli

O incidente com Detinha Son também foi pauta. Foto: Maíra Acioli

A recente morte da cicloativista Detinha Son foi lembrada com emoção pelos presentes, ela tinha acabado de dar uma palestra sobre mobilidade urbana na 6ª Conferência das Cidades, em Bento Ferreira (ES), e ainda no estacionamento, um motorista abriu a porta do carro e atingiu a ciclista, que se desequilibrou e caiu da bicicleta batendo a cabeça no chão. Nesta sexta (08), no Recife, o Bike Anjo, grupo que Detinha fazia parte, promove uma pedalada em homenagem.

O problema da fiscalização na cidade foi lembrado por Sabrina Machry, arquiteta, urbanista e cicloativista, pesquisadora do Parque Capibaribe, integrante do INCITI/ UFPE, e da Ameciclo, “A gente está na rua, mostramos as infrações aos agentes de trânsito, eles não multam porque não querem. Ninguém faz dinheiro com multa aqui no Recife, é um absurdo. Não existe fiscalização!”, denuncia.

Daniel Valença também chamou atenção ao tratamento que a mídia dá para os casos, segundo ele, normalmente enquadrando-os como meros acidentes, “Para a mídia quem morre são as pessoas, os ciclistas, os pedestres… mas por outro lado quem mata são os objetos… a porta, o carro, o ônibus, nunca é culpa das pessoas que estão conduzindo esses veículos, sempre tiram a culpa de quem mata”, alerta.

Valença convidou os presentes a refletir sobre possíveis soluções ao traçar um paralelo com as propostas implementadas em algumas fábricas, quando o uso da EPI (Equipamento de Proteção Individual) se mostra menos eficiente pelo fato de não evitar acidentes, como podemos observar na pirâmide abaixo:

HSE STANDARD01

A ilustração mostra que o foco das ações é na eliminação do componente que é o pivô do perigo, e substituí-lo por algo menos perigoso. Outra ação é isolar as pessoas do risco mudando a forma como elas trabalham. A última medida é que está diretamente relacionada ao uso dos equipamentos de proteção. No caso do trânsito é o inverso, o uso pelos ciclistas de capacetes e outros objetos de segurança é a primeira medida a ser incentivada, assim, não sendo efetivo na resolução do problema.

As iniciativas do poder público também foram lembradas pelo arquiteto e urbanista Pedro Guedes: “Os políticos precisam saber que o discurso deles precisa ser de solução, temos que parar de gastar dinheiro contando mortes, já sabemos do problema. Ao invés de ver lugares onde pessoas estão morrendo, temos que olhar para os lugares onde as pessoas não estão morrendo”, sinalizou.

Para Clarisse Linke, Diretora do ITDP Brasil (Instituto de Políticas de Transporte e Desenvolvimento), o desenho urbano das cidades tem um papel crucial, “É necessário investir em obra, precisamos de medidas a longo prazo, o motorista vai dirigir conforme o espaço que exista pra ele, se tiver espaço ele vai usar. Quanto mais estreita a rua, ele naturalmente vai diminuir a velocidade. Isso é fundamental.”, complementa.

Conforme prometido no início da oficina, Daniel Valença encerrou a fala resgatando o 6 por 100 mil, que significa a meta de redução global do número de mortes e violência no trânsito por habitantes estabelecida pela Organização das Nações Unidas (ONU). Para se ter uma ideia, segundo relatório (2015) da Organização Mundial de Saúde (OMS), o Brasil é o país com maior número de mortes de trânsito por habitante da América do Sul, contabilizando 23,4 por 100 mil.

Colmob.re – Diferente das conferências livres que normalmente são puxadas pela realização de uma assembleia oficial, promovida pelo poder público, esta foi mobilizada pela sociedade civil organizada, no intuito de fortalecer os laços entre os coletivos e associações por uma mobilidade democrática. “A ideia é promover o diálogo entre os movimentos sociais, para levantarmos indicativos de uma construção de política pública popular e podermos cobrar dos gestores uma política efetiva”, explica Camila Fernandes, da rede de mobilização Meu Recife.

Participam da Conferência as entidades ActionAid Brasil, Ameciclo – Associação Metropolitana de Ciclistas do Grande Recife, ANTUERF, Centro Vivo, Cicloação, Clube de Engenharia, Coletivo Urbes, FASE, FLTP – Frente de Luta pelo Transporte Público, Grupo Direitos Urbanos, Movimento Recife Acessível, ODR – Observatório do Recife, Pedala Rural, Plataforma Democracia Real e Rede Meu Recife.

Mais informações: http://www.colmob.re.