Confira o texto escrito pelo o jornalista Lula Pinto escrito para inspiração do debate da Urban Jam #01, que tinha como tema “A cidade como espaço de aprendizagem”:
Na experiência se está presente. Nosso encontro é ou pretende ser uma atividade suspensão da pressa do dia, dos dias.
Toda cidade é ou está o resultado do uso que se faz dela. Linearizar, tapar, esconder os cursos dos rios; assim como derrubar as árvores; eliminar a arquitetura histórica são expressões do uso que a cidade do Recife passou a ter – e que é definido e materializado por instâncias econômicas e governamentais. Harvey fala, em entrevista recente, que a função que se está dando às cidades é de investimento, não de moradia e de vida.
Esses usos não somente informam historicamente valores, momento político e econômico, conflitos e artífices do processo. Todo esse processo de definição de usos também cria um alfabeto ou uma gramática com a qual se constroem discursos que educam – para o bem e para o mal. Faz parte desse texto, se pensarmos esse discurso com essa palavra, o conjunto de reações de grupos variados a esse processo, claro, assim como as estratégias de convencimento desses usos.
Fazer desaparecer os rios ou então fazer derrubar sem pruridos, sem discussões, sem ressentimentos, articulando a lógica do lucro também educa e forma e conforma e consolida a falta de valor ao que permanece ou poderia permanecer; e por decorrência aos processos de construção, formação, proteção, da identidade.
Essas preocupações convergem para uma noção de futuro.
Quem procura educar, sobretudo numa perspectiva emancipadora, não somente espera, mas também pensa dar seus dois vinténs para um futuro melhor. Se a gramática que singulariza essa cidade, com a qual se constroem os textos que educam, não tem em seu horizonte uma perspectiva de viabilidade urbana, mais conforto, melhores relações, muito menos de emancipação, o que se pode concluir?
Que, talvez, o texto que se identifica na cidade do capital ensine sobre o capital, mas não somente sobre ele – sua forma de reprodução, suas estratégias de anulação da Política (intervenção sobre o planejamento urbano e subordinação da política institucional, supressão das expressões divergentes). Também sobre uma certa naturalização das relações, das tensões, dos espaços, das competições, das exclusões, das limitações ao direito a circular em determinados locais.
E aí então no futuro quando sábios tentarem decifrar o eco de antigas palavras, fragmentos de cartas, poemas, mentiras, retratos, vestígios de estranha civilização… cheguem à conclusão que não eramos mesmo nem o país do futuro nem o país da cordialidade.
O desenvolvimento urbano está atrelado à economia financeirizada. E por isso, os textos que se formam em torno da cidade espelham e confirmam aquilo que é necessário para a manutenção dessa forma de produção.
A questão da revolução lenta pela educação talvez possa ser considerada, tendo em vista que uma revolução catártica esteja fora do horizonte. Porque aprender a ler a cidade, pensá-la como uma lousa, leva à perigosa ideia de que as coisas podem ser diferentes e que sua escrita possa ser interrompida e/ou re-escrita. A lousa informa e ensina não somente das escolhas urbanas, mas também das segregações, dos conflitos, das diferenças, das práticas separatistas, do machismo, do racismo, do desrespeito aos velhos e às pessoas com dificuldades de locomoção. O olhar sobre esse texto precisa ser crítico – ter a perspectiva emancipadora – se não ler a cidade pode ser uma experiência de confrmação e consolidação daquilo que nos divide.
Quem operará esse olhar crítico? Quem organizará essa perspectiva emancipadora da leitura e da pedagogia com a cidade? Essa evidentemente não pode ser uma tarefa apenas para os pedagogos, é uma tarefa grande demais para um grupo social específico. Daí que a necessidade de pensar a cidade como uma lousa, com a perspectiva educativa numa linha pedagógica, requer uma articulação de forças muio mais ampla e necessariamente multidisciplinar. Eu penso que o vetor dessas iniciativas precisa ser o governo mas a cabeça de comando não pode ser realizado somente pelos políticos, porque eles não são confiáveis.
Pensar a cidade educativamente é pensá-la em um nível político muito sofisticado. Tão sofisticado quando necessário.
A aceitação da desigualdade, impressa e expressa nos espaços urbanos também ajuda a conformar aprendizados dessa normalidade entre as relações.
O que está em jogo é a manutenção ou noção de um modelo de circulação e uso da cidade que não é apenas nocivo, é fatal. O modelo atual de cidade, o hegemonicamente instalado, que se baseia em carrocracia e verticalização, mas sobretudo na exclusão social está no centro de um debate que coloca uma escolha a ser feita. A continuação desse modelo ou sua re-orientação. Mas o que há de mais novo é que a escolha do modelo de cidade agora também expõe a fatalidade do atual modelo, pelo qual se morre mais em acidentes automobilísticos, por causa da poluição.