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por Rodrigo Édipo
É a militância à favor da natureza e o respeito à espiritualidade que fazem com que o incitiano Ednaldo Silva, 22 anos, morador da comunidade do Coque (Recife), desenvolva ideias para a lixeira sensitiva. Projeto do INCITI – pesquisa e inovação para as cidades vinculado à linha de pesquisa Cidades Sensitivas que – dentre outras coisas – serve de alerta ao cidadão flâneur sobre uma responsabilidade social e ambiental básica do nosso cotidiano: jogar o lixo no lixo.
Com o objetivo de dar início a nossa série Incitianos*, abordei o pesquisador Ednaldo em mais uma intensa tarde de trabalho no nosso lab localizado na Rua do Bom Jesus (Bairro do Recife-PE), para conversarmos um pouco sobre sua trajetória de vida e quais soluções vem desenvolvendo na construção de cidades que sejam também pensadas como plataformas de aprendizagem e que atendam de forma inclusiva todas as pessoas.
É interessante observar o processo de reflexão e amadurecimento emergindo nas entrelinhas da conversa com Ednaldo, principalmente nos momentos em que é evocado o discurso das liberdades individuais e dos direitos do cidadão, premissas tão importantes, porém tão menosprezadas em nosso cotidiano urbano. Tudo isso tendo a figura da mãe, Gildete Marcena da Silva, como uma espécie de norteadora de desejos.
Fala um pouco sobre a tua história.
A minha base de vida sempre foi muito simples, mas tinhamos lá em casa uma aposta familiar diferente. Minha mãe sempre buscou nos inserir em um contexto intelectual, nos incentivando à prática da leitura dentro de casa. Apesar de nao ter uma estrutura financeira estabilizada, minha mãe tinha uma estrutura mental muito boa. Toda a vida dela foi de submissão por viver em uma época politicamente tão desigual.
Quais lembranças têm dessa época?
Lembro que minha mãe pegava restos da feira para alimentar nossa família, pois não tinha uma renda mensal para garantir a nossa alimentação, e por isso vivia atrás de ôia (bico), se virando em 30 pra poder manter seus desejos. Hoje, quando busco meus caminhos de empreendimento eu penso muito na luta da minha mãe. Tudo que tenho de conhecimento e estrutura resulta do empenho dela.
Ela ainda está viva?
Não, ela faleceu aos 36 anos, mas está presente espiritualmente. Inclusive ela está aqui conosco nessa conversa. Minha mãe está me dizendo que eu devo ser honesto, conseguir minhas coisas com trabalho, empenho, coragem, construindo parcerias, trabalhando a coletividade. Meu desejo de entrar em uma universidade que ainda tenho, talvez seja o desejo dela também. O desejo que tenho desde criança de fazer dança vem da minha mãe também, inclusive tenho uma foto dela muito linda em João Pessoa fazendo a quarta posição do balé clássico (foto abaixo).
A ideia da lixeira sensitiva acredito que venha da sua formação de vida.
Em relação à lixeira sensitiva parte de uma proposta com um cunho de militância, que tem a ver com o respeito com a divindade Orixá e a ver com minha conexão com a natureza onde nela buscamos força e paz. A natureza nos oferece ferramentas pra saúde, ela é uma fábrica de produção de onde tiramos uma cadeira, uma mesa…. (pausa) de onde tudo se tira e de onde de tudo pode se empreender.
Explica melhor o projeto pra quem não o conhece.
Eu sempre falo da lixeira sensitiva como um sensor para que a pessoa jogue o lixo e depois de 10 segundos a lixeira vai fechar e, reconhecendo a presença do resíduo descartado, ela vai tocar um frevo. Mas a lixeira sensitiva é bem maior, é algo pensado para para proteger a natureza, para que o material doloso não atrapalhe a transformaçao da natureza. Você pode ver o plástico, que demora a se decompor e isso é muito danoso. Como a história da tartaruga que nasceu com uma deficiência por conta de uma fibra que tava presa ao corpo dela chegando a deformar o casco. Como funcionará o organismo da tartaruga a partir disso? Gosto de dizer que a lixeira sensitiva é um jogo de amarelinha, ela permite que – através de sensores – todos participem do dever da coleta e proteção da natureza, seja gordo, magro, branco, pequeno, idoso, adulto… diferente das portas do shopping e seus sensores que só possibilitam que pessoas de poder econômico consiga passar por aquele portal de desejos que não atende a todos.
Qual a diferença de uma lixeira normal e uma lixeira sensitiva?
A lixeira normal está disponível para todas as pessoas, mas ela não acessa o campo dos desejos dos seres humanos, que é de consumir aquilo que é atrativo, ela não enche os olhos, não tem uma proposta interativa, dinâmica e é algo parado, preso a um modelo de fabricação, de auto-reprodução, produção em larga escala que não se preocupa em quem vai tocar. Na verdade pouco importa se a lixeira vai tocar ou não as pessoas, ela tá mais ligada ao processo do capitalismo. Vou usar o exemplo de Leo (Leonardo Melo pesquisador do INCITI)… um dia ele me disse que sem o resistor, sem o capacitor, sem o transistor, sem o fone, sem os sensores, sem os fios, sem os 5 volts da placa arduíno, sem a programação, a lixeira não era possível, ela não existiria. Esses componentes que tornam a lixeira sensitiva.
Como anda a pesquisa hoje?
Hoje a pesquisa está bem avançada, ela alcançou coisas bastante palpáveis… e uma coisa bastante palpável é a parceria que foi criada com ela. Hoje a lixeira passa por um processo final de produto, na verdade ela já é um produto! A hora agora é de acreditar no potencial de fala dela.
Poder de fala? Poderia explicar melhor?
Hoje ela se comunica através da música, do artístico, se comunica a partir de símbolos… mas a próxima meta é alcançar um nível de modernidade onde ela consiga verbalizar, falar a nossa língua. Por exemplo, ela poderá falar: – Não jogue o lixo no chão! É possível também que ela passe a se conectar com outros equipamentos, esteja conectada, por exemplo, com o próprio Facebook através de uma tag onde as pessoas comecem a obter informações georreferenciadas através dela e será a partir dessa relação que teremos de fato um processo de comunicação da internet das coisas com as pessoas. Mas isso é conversa pra depois.
Saiba mais sobre a lixeira sensitiva
* A série Incitianos apresenta periodicamente as pessoas que fazem parte da rede de pesquisadores do INCITI, com enfoque no que se produz na construção de cidades mais inclusivas, sustentáveis e felizes.
** Primeira vez por aqui? O INCITI é um grupo de pesquisa da Universidade Federal de Pernambuco – UFPE que tem o objetivo de incitar, junto com os diversos setores da sociedade, novos conhecimentos capazes de transformar de forma sustentável a vida nas cidades. O InCiti conta na sua plataforma com profissionais dos mais diversos campos do saber dos vários grupos de pesquisa da UFPE e de outras Universidades do Brasil e do Mundo. Saiba mais.